RECONCILIAÇÃO
A
Igreja encerrou universalmente, no passado domingo, Solenidade Cristo Rei e Senhor do Universo, o Ano Santo da Misericórdia. O final, para a Igreja Católica, de um
período cronológico de uma especial vivência da misericórdia, nas suas dimensões
teológica, espiritual e pastoral. Mas um ano igualmente acolhido, com
entusiasmo, por outras Igrejas e homens e mulheres de boa vontade. Um
encerramento que não significa, contudo, o términus de um espírito que há-de
permanecer na vivência eclesial, agora aprofundado, pois, segundo as palavras do
Papa Francisco, na sua Carta Apostólica Misericordia
et Misera, com que encerrou este ano, «a misericórdia não se pode reduzir a
um parêntesis na vida da Igreja, mas constitui a sua própria existência, que
torna visível e palpável a verdade profunda do Evangelho» (nº 1).
Também as comunidades paroquiais que me estão confiadas – Luso e
Pampilhosa – depois de haverem iniciado este ano com uma obra de misericórdia
corporal: «dar de comer a quem tem fome»; quiseram terminá-lo com uma obra de
misericórdia espiritual: «perdoar as injúrias». Assim, toda a nossa reflexão e
ação, no encerramento do Ano da Misericórdia, se centrou no imenso valor da
reconciliação. Sabendo que esta constitui a base de uma vivência de
tranquilidade, de autêntica paz e de verdadeira fraternidade. Pretendendo
comprometer-nos em criar comunidades de irmãos, comunidades de amor, na alegria
da sincera comunhão. Sabendo, todavia, que o caminho exige uma atenção contínua
e um esforço permanente de superação das nossas divisões.
Mas
este convite não se limita às comunidades cristãs. Bem pelo contrário: é uma
proposta de vida que compreende todas as relações em sociedade – as de maior
proximidade, ou de menor proximidade!
Na
verdade, quantas vezes nos confrontamos com pessoas angustiadas, tristes,
desalentadas, deprimidas, de semblante anuviado, fruto de relações humanas
degradadas pelos ódios, rancores, más querenças, ciúmes ou mesmo vinganças?
Pessoas que se ignoram ou rejeitam, mesmo quando têm de partilhar espaços
próximos, quantas vezes de vizinhança, na mesma rua ou no mesmo prédio! As
nossas relações humanas enfermam devido à incapacidade de diálogo, à
inaceitação do modo de ser e de agir dos outros, às nossas suscetibilidades, à arrogância,
ao orgulho, à luta de interesses, não raro entre familiares, por razões de
preferências, de divisão de bens, que conduzem, quantas vezes, a ódios e
divisões, onde, afinal, deveria persistir a ternura e o amor! Quantas vezes
colegas de trabalho se ignoram, mesmo trabalhando lado a lado? Enfim… São
múltiplas as realidades que estão na base dos nossos desencontros e
deterioração das nossas relações humanas!
Contudo, todos desejamos viver em paz, na tranquilidade, na ternura, no
reconhecimento e na aceitação. Todos desejamos ser felizes, sabendo que estar
de bem com os demais é ingrediente fundamental para essa felicidade! Assim, não
obstante as realidades humanas que nos possam dividir, a grandeza da vida
humana reconhece-se na capacidade de ultrapassar todas essas dificuldades, permitindo-nos
viver relações positivas, marcadas pela tranquilidade e pela paz. Sabendo que,
para tanto, necessitamos de abdicar das nossas atitudes de orgulho e de
vingança, para, com um coração límpido, trilharmos caminhos de diálogo e de
compreensão, de perdão e de reencontro, conducentes à verdadeira comunhão com
os demais – próximos ou mais distantes! Necessitamos de reaprender,
permanentemente, o valor da reconciliação! Que na expressão latina – reconciliare – significa precisamente «pacificar,
juntar de novo, restabelecer a concórdia e as boas relações»! Necessitamos de
homens e mulheres reconciliados, construtores de comunidades fraternas, de
acolhimento, de amor e de paz. Sabendo, contudo, que todas estes valores nascem
do coração e do agir de cada um de nós!
Como
se referia numa pequena folha que distribuíamos, a propósito do encerramento do
Ano da Misericórdia, «o perdão não é sinónimo de fraqueza ou ausência de
amor-próprio; pelo contrário, demonstra grandeza de alma e muita coragem!» E é
disto que precisamos: de homens e mulheres corajosos, capazes de trilhar todos
os caminhos que conduzam à paz; pois a guerra, ao invés do que se possa pensar,
é a arma dos fracos, já que apenas no amor se reconhece a verdadeira
humanidade!
Pampilhosa, 24 de Novembro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(25ª Reflexão)