quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Partidos Políticos!

É curioso o facto de a história nunca se repetir, mas de assumir expressões semelhantes, como se fosse marcada por uma dinâmica de espiral – em pontos diferentes, realidades semelhantes. Isto vem a propósito dos partidos políticos. Surgidos na segunda metade do século XIX, com o partido Regenerador e o partido Histórico, que havia de dar lugar, na década de 70, ao partido Progressista, logo acompanhados pelo Partido Republicano e do Socialista, definiam-se como “organização política que procura pôr em prática um conjunto de princípios ideológicos, através da confiança e apoio[1] dos cidadãos, manifestados em eleições”[2].
A verdade é que, na conjuntura da época, marcada essencialmente por um profundo elitismo e por um forte analfabetismo das populações, os partidos se resumiam a uma participação de algumas elites citadinas e, quando muito, a uma ou outra elite rural.
Os tempos mudaram: as nossas populações não são já – felizmente – analfabetas; o sentido de participação foi-se conquistando, consolidando-se o verdadeiro conceito de democracia; algumas elites foram-se diluindo (as sociais, de nome, de bom nascimento, mas não as de interesses económicos e, sobretudo, as oligarquias). Crescemos, indiscutivelmente, com o 25 de Abril (quando eu ainda era criança) para um novo sentido de participação. E quanto as memórias me permitem, essa participação foi muito intensa, efervescente, de confronto de ideias e de procura de novas soluções face a um passado recente ainda muito presente. Importava mobilizar toda a gente para uma nova configuração social, modelando o país no sentido de saber responder a novos desafios.
Volvidos pouco mais de trinta anos, todavia, essa mobilização começa a definhar. Os mais velhos manifestam-se ou desencantados, ou desmobilizados, agastados com propostas que não respondem senão aos interesses de novas elites que, entretanto, se foram formando, geradas no interior dos aparelhos partidários. Os mais novos, por seu turno, distanciam-se cada vez mais da política, encontrando-se hoje cada vez mais jovens apartidários e descomprometidos face ao exercício do direito de voto. Para muitos, votar é algo sem interesse, incapaz de os mobilizar.
Esta dupla situação vai-se agravando, conduzindo cada vez mais a um esvaziamento do conceito de partido político. Cada vez menos eles são motivo de confiança e de apoio dos cidadãos. Cada vez mais perdem as suas bases populares e se tornam, num novo contexto social, expressão dessas novas elites.
É neste sentido que a história parece conduzir-nos a um ponto comum: a luta entre pequenos grupos partidários, sem diferenças substanciais entre si, almejando apenas o exercício do poder. E o povo, essa base da democracia, está distante, porque desconfia, é distanciado, se desmotiva e deixa de participar.
Durante muito tempo, na segunda metade do século XIX, o poder foi transitando entre Regeneradores e Progressistas (inicialmente Históricos, como referi), em governos que se sucediam, sem grandes novidades para o desígnio nacional (pese embora o impulso logo inicial de Fontes Pereira de Melo; ainda que este tivesse de apelar à banca estrangeira devido à imobilidade dos potenciais investidores nacionais).
Portugal parece, hoje, ter regressado às décadas de 70 e 80 do século XIX. Particularmente à de 80, já que lhe falta o dinamismo de novas sensibilidades que marcaram o pensamento político português da década de 70.
Os maiores partidos políticos portugueses de hoje (com destaque para o PS e o PSD) parecem assemelhar-se aos piores momentos dos partidos Regenerador e Progressista. Ideologicamente próximos um do outro, parecem mais interessados numa luta de poder (interno e nacional) do que assumir verdadeiros desígnios nacionais.
O povo, repito-o, é cada vez mais uma “massa” desconfiada e desinteressada. Veja-se a tendência da abstenção nos actos eleitorais; vejam-se os comentários públicos, que nos chegam pelos meios de comunicação; vejam-se os índices de participação alargada nos aparelhos partidários.
Os partidos políticos são hoje, como ontem, o feudo de alguns, no sentido de salvaguardarem os seus interesses.
Não gostaria de terminar com notas negativas. Neste sentido, direi que, mesmo no meio de muitas incongruências ideológicas e sociais, o governo se vai esforçando por responder ao país real. Não sei se consegue, mas nota-se algum esforço.
Por outro lado, surgem cada vez mais movimentos de cidadãos e de independentes (mesmo que provenham de forças partidárias), capazes de refrescar o “pântano”[3] político nacional. E esta pode ser uma esperança, levando a cabo, a prazo, o desígnio de galvanizar de novo as bases da democracia, de modo a que se restitua o verdadeiro exercício do poder ao povo e não se mascare essa democracia com uma aparência que a poucos continua a enganar.

[1] O itálico é nosso.
[2] António Domingues de Almeida et Aliud, Dicionário Breve de História, Lisboa, Editorial Presença, 1996, p. 153.
[3] A expressão é de um notável político português – António Guterres – quando se demitiu do governo e deixou de exercer as funções de primeiro-ministro. Daí para cá, parece-me, as areias mudaram-se na voragem das águas, mas o pântano ainda não se consolidou.
Carlos Alberto Godinho