DIA MUNDIAL DO TURISMO – 2013
ÁGUA: DOM E
VALOR!
«Visitastes a terra e a resgastes,
enchendo-a de fertilidade. As fontes do céu transbordam em água e fazeis brotar
o trigo. Assim preparais a terra» (Sl. 65, 10).
Ao celebrarmos o Dia Mundial
do Turismo, neste ano de 2013, olhamos para a água, elemento fundamental da
criação, como um dom e um valor. Dom que brota do ato criador, como princípio
vital (cf. Gn. 1, 9. 20; cf. Sl. 65, 10); e que é oferecido ao homem para seu
usufruto, como um valor que cuidadosamente deve administrar (cf. Gn. 1, 26; Sl.
8, 7. 9).
Consciente da importância da água para a vida humana e toda a sua
atividade, o Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes
quis tomar, para esta celebração, o tema proposto pela Organização Mundial do
Turismo: Turismo e água: proteger o nosso
futuro comum, em conformidade, ainda, com a resolução da Assembleia Geral
das Nações Unidas que, no contexto da «Década Internacional para a Ação (2005 –
2015) – A água fonte de vida»,
defende que «a água é fundamental para o desenvolvimento sustentável, em
particular para a integridade ambiental e a erradicação da pobreza e da fome, é
indispensável para a saúde e o bem-estar do homem, e é fundamental para
alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio»[1].
No intuito de
compreendermos a importância deste elemento da natureza, sua simbologia e
necessidade de, entre nós, o preservarmos, detenhamo-nos nas seguintes notas:
1. As águas, nas chamadas cosmogonias aquáticas, particularmente
orientais, simbolizam a «totalidade das virtualidades»; elas são «fons et origo» - fonte e origem; «a
matriz de todas as possibilidades de existência»[2].
Precisamente porque simbolizam «a substância primordial de que nascem todas as
formas»[3],
estando presentes no princípio e no fim de todos os ciclos cósmicos, enquanto
realidade germinativa e fonte de vida, em todos os planos da existência.[4]
A água, um dos «mais importantes pressupostos da vida»[5],
assume igualmente na simbologia bíblica o sentido de «felicidade», de «segurança»
e de «vida», ainda que simultaneamente, pelas características de elemento que
facilmente se esvai, a perceção da
«transitoriedade» da própria existência humana.[6]
Nesta simbólica bíblica, a água manifesta essencialmente a própria vida divina,
que sobre nós se derrama, particularmente quando Deus é apresentado como «fonte
de água viva» (Jer. 17, 13); imagem que ganha sentido pleno em Jesus Cristo,
que Se afirma a si próprio como fonte dessa água (cf. Jo. 4, 10), capaz de se
tornar, para os que n’Ele creem, uma fonte que jorra para a vida eterna (cf.
Jo. 4, 14).[7] O texto
do Antigo Testamento simbolizava já na água a plenitude do próprio reino de
Deus, pois que assim como aquela, por onde passa, renova todas as coisas,
também este Reino será definitivo, plenificando toda a criação (cf. Ez. 47, 1.
12). E, para o cristão, de modo particular, a água remete ainda para o dom do
batismo, pois por ela fomos purificados, tornando-nos - unida ao dom do
Espírito Santo - participantes da condição singular de filhos de Deus (cf. Rm.
6, 4 – 11).[8]
Ora, quer nas cosmogonias referidas, quer na simbólica bíblica, a água é
apresentada numa das suas características fundamentais – fonte de vida. Sem ela
não há existência. Na verdade, ela é «fons
et origo»[9], o
que a torna tão preciosa, quanto essencial. Assim sendo, absolutamente
necessária à vida de toda criação e, consequentemente, de todo o género humano.
Sabemos, todavia, que a água é um recurso limitado e que, à escala global, nem
todos têm igual acesso a este dom fundamental, particularmente quando as
transformações climatéricas tendem a estender sobre boa parte do orbe terrestre
um manto crescente de desertificação. Daí que se imponha, no que se refere ao
acesso à água, o mesmo princípio fundamental, definido pelo Concílio Vaticano
II, a propósito do destino universal dos bens: devem servir a todos os homens e
povos, de modo que a todos cheguem equitativamente, segundo os princípios da
justiça, que não podem separar-se da autêntica caridade (GS. 69). O que
pressupõe, à medida que se consciencializa o limite dos recursos disponíveis,
«a necessidade de interpretar os ritmos da natureza e de tê-los em conta na
programação do desenvolvimento» (SRS. 26), como referia o Papa João Paulo II.
Tanto mais que, no que se refere à água, este recurso incide diretamente sobre
as condições de vida de cada pessoa e sobre as suas mais elementares
capacidades económicas.
O turismo, neste contexto alargado, deve favorecer o respeito pelo
ambiente – a autêntica «preocupação ecológica» (SRS. 26) - no uso mais moderado
dos recursos naturais e numa perspetiva de solidariedade com todas as culturas
locais.[10]
2. A água é um valor singular para toda
a atividade turística, direta e indiretamente. O recurso a este elemento
natural está presente nas atividades de lazer: na procura das estâncias balneares
ou de recreio aquático; no turismo de natureza; e no turismo de saúde,
concretamente com as clássicas ou novas modalidades de termalismo e SPA. O
consumo dos recursos hídricos aumenta ainda com o número de turistas, seja na
restauração ou nos espaços de alojamento. Acrescendo, igualmente, a sua utilização
como meio de embelezamento e de arranjo urbanístico, em espaços públicos. Não
deixando, ainda, de se considerar a indispensabilidade da água na manutenção e
gestão de espaços de recreio e desporto, entre os quais sobressai a prática do
golfe. Estas e outras necessidades configuram uma forte utilização dos recursos
existentes, nem sempre consciente das suas implicações face aos recursos
realmente disponíveis.
Portugal, felizmente, é um país dotado de uma grande diversidade de recursos
hídricos: seja na costa atlântica que o percorre a ocidente e a sul; seja na
multiplicidade de rios, ribeiros e riachos que serpenteiam a nossa paisagem
natural; nas múltiplas fontes que jorram em espaços naturais; ou nas diversas
unidades aquíferas, que permitem a utilização das suas águas em atividades
correntes ou em contexto de termalismo e saúde. Portugal dispõe ainda de uma
boa quantidade de aquíferos que permitem a captação e comercialização da água,
em larga escala, enquanto recurso económico.
Não obstante, algumas zonas do país, particularmente nos períodos de
menor precipitação, sofrem já a carestia deste bem essencial, quer para o
consumo doméstico, quer para as atividades económicas do setor primário, com
destaque para a agricultura e a pecuária. Isto verifica-se, particularmente, em
zonas tendencialmente mais secas, como o Alentejo ou algumas zonas do Nordeste
Transmontano. Sabendo-se ainda que, com as alterações climáticas, Portugal
sofre, e virá a sofrer no futuro, um processo de diminuição de recursos
hídricos, por via do aquecimento global, a que se somam igualmente os
dramáticos incêndios, em cada verão, aliados à tendência para a monocultura do
pinheiro bravo e do eucalipto - cujo efeito de retirada de água dos solos é bem
conhecido - em detrimento de uma reflorestação assente na diversificação das
espécies florestais, com recurso especial às espécies endógenas de cada região.
Por tudo isto, necessitamos de uma especial atenção à gestão dos recursos
hídricos verdadeiramente disponíveis e a uma gestão sustentável que assegure a
sua viabilidade futura.
3. Neste Dia Mundial do Turismo, com o
enfoque na atenção à água, como meio de proteger o nosso futuro comum[11],
algumas atitudes nos são exigidas, seja no uso racional imediato deste bem
indispensável, seja numa perspetiva de gestão dos recursos existentes, a fim de
se assegurar a sua sustentabilidade futura. Assim, devemos, desde logo e em
primeiro lugar, formar as novas gerações para o uso correto da água,
consciencializando-as para a sua importância, numa séria e autêntica formação
ambiental. Depois, cabe-nos valorizar todos os recursos hídricos existentes,
usando-os com moderação e cuidando deles, da sua qualidade e salubridade. Neste
sentido, impõe-se-nos um particular cuidado com todas as formas de poluição; com
o uso indevido dos cursos de água e seu esbanjamento desnecessário; com o
derrame de efluentes de origem industrial, ou mesmo de pequenas explorações
agrícolas ou pecuárias, e respetiva contaminação de cursos de água que servem
as populações; ou ainda um particular cuidado na conservação de aquíferos que
possam servir de autênticos reservatórios para as necessidades futuras.
De igual modo, o tratamento de esgotos e efluentes - felizmente uma
prática mais comum nos vários municípios - permite a reutilização da água,
particularmente para irrigação de jardins e espaços de cultivo, ou mesmo para
descargas sanitárias. O mesmo se podendo aplicar à utilização das águas
pluviais. Na verdade, o princípio tão difundido da reutilização bem se pode
aplicar à água, recurso natural de primeira necessidade que devemos cuidar.
Nesta perspetiva, ainda, a reutilização é possível, em sistemas de
circularidade, quando a água é utilizada em contexto de arranjos urbanístico e
de embelezamento de alguns espaços públicos.
Cada vez mais, hoje, se utilizam dispositivos de controlo do consumo de
água, passiveis de serem aplicados em contextos tão diversos como a hotelaria,
a restauração e outros espaços de particular serviço à prática do turismo. Estes
sistemas têm a vantagem de racionar o consumo de água, sem deixar de servir
convenientemente os turistas ou visitantes.
Especial atenção nos merece o mar, fonte de tantas possibilidades, na
diversidade de recursos que coloca ao nosso alcance. Desde logo, a preservação
das suas águas e dos seus ecossistemas marinhos deve ser preocupação cimeira,
de autoridades e de turistas. Depois, o mar permite-nos o aproveitamento das
suas águas, seja nos diversos contextos de recreio e balneares, seja em
atividades de saúde, como os centros de talassoterapia, hoje cada vez mais
divulgados.
Particular cuidado nos deve merecer a floresta e as modalidades de
reflorestação. A utilização de diversidade de espécies - com especial
utilização das endógenas de cada região – é um bem que teremos de salvaguardar:
para evitar fenómenos de desertificação e incrementar uma maior diversidade
florestal, de que o turismo tanto pode beneficiar. É evidente que na atual
gestão da floresta se sobrepõe um interesse económico imediato, com o recurso a
manchas contínuas de espécies únicas e de crescimento mais rápido, a uma
diversidade que enriqueça os solos, a paisagem, a própria preservação da
floresta e, por consequência, o turismo. Portugal é um país verde; e muito terá
a beneficiar desta diversidade.
Sem pretender esgotar princípios e orientações de caracter técnico, que
outros conhecerão em maior profundidade, cabe-nos aqui consciencializar para as
múltiplas possibilidades ao nosso alcance na gestão dos recursos naturais e, em
particular, dos recursos hídricos. O turismo será sempre responsável e
beneficiário das medidas que possam ser tomadas no sentido de salvaguardar tais
recursos. Da sua boa gestão e sustentabilidade dependerá, igualmente, a
sustentabilidade da oferta turística.
O turismo depende dos recursos hídricos e da sua qualidade. Valorizá-los
é um ato de inteligência e de viabilidade futura. Por outro lado, o turismo faculta-nos
a oportunidade de cuidar da nossa casa comum, de que depende, e de louvar, como
o profeta, ao Deus Criador, que permanentemente nos oferece os Seus múltiplos
dons, deixando brotar do íntimo do coração o louvor incessante: «todas as
águas…bendizei o Senhor: louvai-O e exaltai-O para sempre» (Dn. 3, 60).
Luso, 25 de Setembro de 2013
Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho
Diretor da Obra Nacional da Pastoral do
Turismo (ONPT)
[1]
Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes – Mensagem por
ocasião do Dia Mundial do Turismo 2013: Turismo
e água: proteger o nosso futuro comum. Cidade do Vaticano, 24 de Junho de
2013.
[2]
Mircea Eliade – Tratado de História das
Religiões. 1ª Ed. Porto: Edições Asa, 1992, p. 243.
[3]
Ibidem, p. 243.
[4]
Cf. Ibidem, p. 246.
[5]
Voc. Água in AA.VV. – Dicionário Bíblico.
Porto: Editorial Perpétuo Socorro, 1983, p. 16.
[6]
Ibidem, p. 16. Cf. Carlos Alberto da
Graça Godinho – Perspetivas para uma
Pastoral das Termas. Ferragudo, 2010, p. 2.
[7]
Cf. Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes – Mensagem
por ocasião do Dia Mundial do Turismo 2013. Op.
cit.
[8]
Cf. Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes – Turismo e água: proteger o nosso futuro
comum, op. cit.
[9]
Vide nota nº 2.
[10]
Cf. PAPA JOÃO PAULO II – Mensagem do Santo Padre para o Dia Mundial do Turismo
2002: Ecoturismo, chave do
desenvolvimento sustentável. Vaticano, 24 de Junho de 2002, nº 3. Cf.
Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes – Turismo e água: proteger o nosso futuro
comum, op. cit.
[11]
Cf. Organização Mundial do Turismo – Turismo
e água: proteger o nosso futuro. In Pontifício Conselho para a Pastoral dos
Migrantes e Itinerantes – Mensagem por ocasião do Dia Mundial do Turismo 2013, op. cit.