sexta-feira, 26 de setembro de 2014


DIA MUNDIAL DO TURISMO – 2014

TURISMO E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO


   Como nos demais anos, celebra-se, no próximo dia 27 de Setembro, o Dia Mundial do Turismo, subordinado ao tema: Turismo e Desenvolvimento Comunitário; segundo proposta da Organização Mundial do Turismo (OMT). Acontecimento a que a Igreja se tem associado sempre, particularmente mediante as mensagens Pontifícias e do Pontifício Conselho para a Pastoral do Migrantes e Itinerantes.

   A Igreja em Portugal, particularmente nos últimos anos, não deixa de acolher esta oportunidade para adequar as mensagens propostas à sua realidade específica, visando algumas reflexões que possam ser úteis para a promoção de um turismo de autêntico rosto humano.[1]

   Tendo como fundamento o tema proposto pela OMT e a mensagem do referido Pontifício Conselho, gostaríamos de tecer algumas considerações sobre o turismo, enquanto oportunidade de um autêntico desenvolvimento comunitário.


1.      Breve análise do turismo em Portugal

             É hoje inequívoca a consciência de que o turismo é uma das atividades humanas em maior expansão, constituindo-se na «maior indústria do mundo e o principal deslocamento humano em tempos de paz na história da humanidade»[2], tendo ultrapassado já, globalmente, a cifra de um bilião[3] de pessoas em movimento por razões turísticas. Constituindo-se ainda como uma das grandes fontes de receita de diversos países, nomeadamente dos que estão em vias de desenvolvimento.

   Portugal tem beneficiado extraordinariamente desta atividade, que se constitui, do ponto de vista económico, como um dos setores estratégicos para a economia nacional, pelas receitas diretas e indiretas que gera, sendo responsável por cerca de dez por cento do Produto Interno Bruto (PIB).

   Se o ano de 2013 foi extremamente positivo para o setor do turismo, em Portugal, com um acréscimo de 7,5% nos proveitos económicos[4], face a ao ano de 2012, o presente ano, de 2014, promete consolidar esta tendência, porquanto se regista já um acréscimo de 7,3% no primeiro trimestre, face ao período homólogo de 2013.[5]

   O turismo assume, assim, no contexto nacional, um potencial singular na promoção da economia, no crescimento do emprego, no desenvolvimento de infraestruturas que respondam às suas necessidades, bem como na promoção e desenvolvimento de outros setores de atividade, indiretamente ligadas à ação turística. Ou seja, o turismo insere-se num todo que deve potenciar e promover, contribuindo para o referido «desenvolvimento comunitário».

 
2.      O conceito de desenvolvimento comunitário e seus elementos constitutivos

            O desenvolvimento comunitário pode definir-se como o «processo tendente a criar condições de progresso económico e social para toda a comunidade, com a participação ativa da sua população e a partir da sua iniciativa»[6]. Tal definição releva um progresso global, a iniciativa da própria comunidade e a integração de todos os seus elementos no processo de desenvolvimento. O Conselho Pontifício, ao referir-se ao turismo, aponta precisamente este mesmo sentido, ao recordar-nos que «o desenvolvimento turístico exige que o protagonista principal seja a comunidade local, que o deve fazer seu, com a participação concreta dos parceiros sociais, institucionais e civis»[7]. Isto é, o turismo, ainda que assente na ação de operadores especializados, não pode considerar-se como uma atividade particular de alguns, que o promovem e dele beneficiam, mas sim como uma ação conjunta, potenciadora e integradora das diversas iniciativas a atividades individuais ou coletivas, numa autêntica solidariedade, que vise o bem de todos.

   Mas a noção de desenvolvimento comunitário remete-nos ainda para um conceito mais vasto: o de desenvolvimento humano[8]. O Papa Paulo VI, afirmando a perspetiva cristã do desenvolvimento, considerava-o assim: «o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todas as pessoas e a pessoa toda» (PP. 14).[9] Ora, esta é uma visão que nos cumpre implementar na abordagem da atividade turística. Libertando-a de uma conceção exclusivamente economicista, a atividade turística tem de considerar-se como «multidimensional» - económica, geográfica, legal, sociológica, ecológica e antropológica[10]; na consciência de que esta última dimensão compreende a visão do homem na sua totalidade, em que necessariamente se insere a sua vivência espiritual. Neste sentido, o turismo, para ser promotor de desenvolvimento comunitário, em Portugal, tem de contemplar as assimetrias geográficas, cuidando das potencialidades de todo o território nacional; tem de ter em consideração a vivência das comunidades, salvaguardando a sua cultura e identidade; bem como preservar o património natural, numa autêntica responsabilidade ecológica. Não poderá ainda demitir-se da sua contribuição para o bem integral de cada pessoa, seja pela redistribuição dos proveitos da atividade turística (salários justos, equilibrados horários de trabalho, valorização das demais atividades económicas, como a agricultura, a pecuária e o artesanato), seja criando as condições necessárias para uma valorização integral de cada visitante e suas respetivas famílias.

   Em suma, o turismo para estar ao serviço de um autêntico desenvolvimento comunitário, que pressupõe um autêntico desenvolvimento humano, pois não há comunidade sem pessoas, é chamado a servir o bem comum, entendido como «o conjunto de condições da vida em sociedade que permitam, tanto aos grupos como a cada um dos seus membros, atingir mais plena e facilmente a sua perfeição» (GS. 26), sabendo que tal comporta direitos e deveres que dizem respeito a todos.


3.      Missão da Igreja e Turismo

             No contexto da atividade turística, a Igreja tem uma especial responsabilidade na implementação de um turismo que favoreça um autêntico desenvolvimento humano e comunitário.

   Desde logo, apontando, nas suas várias instâncias – nacional, diocesana ou paroquial –, os princípios básicos da Doutrina Social da Igreja, que servirão aos cristãos como fundamento orientador da sua ação na atividade turística, visando precisamente o desenvolvimento humano e comunitário que o turismo deve servir. Para tal, as paróquias ou os serviços diocesanos, deverão providenciar pequenas ações de formação sobre a Doutrina Social da Igreja, munindo de princípios fundamentais os cristãos que trabalham no setor.

   Depois, as paróquias, enquanto comunidades integradoras das vivências locais, devem, em colaboração com as demais instituições comunitárias, esforçar-se por preservar a cultura e a identidade locais, expondo-as de forma criteriosa, sem deixar que estas se desvirtuem ou se empobreçam. Aliás, num sábio diálogo com os visitantes, as comunidades enriquecem-se, valorizando o seu património, seja ele material, cultural ou espiritual. Quando este esforço é conjunto, entre os diversos parceiros locais, reforça-se a coesão comunitária em torno de valores identitários que a todos comprometem.

   Neste contexto, merece particular atenção o património cultural e religioso, material e imaterial; sendo expressão viva da cultura e da espiritualidade de uma comunidade, deve ser preservado e disponibilizado, contribuindo para o reconhecimento e fortalecimento da identidade local, ao mesmo tempo que serve o enriquecimento humano e espiritual de quem visita essas comunidades.

    Todavia, a primeira tarefa da Igreja é evangelizar, como nos tem recordado ultimamente o Papa Francisco, repetindo que «a evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus: “Ide, fazei discípulos de todos os povos (Mt. 28, 19)”» (EG. 19). E cujo conteúdo essencial é o encontro pessoal e vital com a pessoa de Jesus Cristo; ou seja, «o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo», retomando a afirmação de Bento XVI (DCE. 1; EG. 7).

   A evangelização, pela sua natureza, está ao serviço do desenvolvimento humano e comunitário, pois, como refere o Pontifício Conselho, «a partir da nossa fé, podemos oferecer o sentido de pessoa, o sentido de comunidade e de fraternidade, de solidariedade, de busca da justiça, de saber que somos guardiães da criação e, sob a ação do Espírito Santo, prosseguir a colaboração com a obra de Cristo»[11]. Neste sentido, deverão privilegiar-se, nas nossas comunidades cristãs, atitudes de acolhimento[12] – a relação pessoa a pessoa (cf. EG. 127) – e de  uma autêntica criatividade pastoral; para que todos os meios, de que a Igreja dispõe, possam colocar-se ao serviço do anúncio de Jesus Cristo, Aquele que é a plenitude de todas as coisas, pois «Ele existe antes de todas as coisas e todas têm n’Ele a sua subsistência» (Col. 1, 17).

 

Luso, 25 de Setembro de 2014

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

Diretor da ONPT

 



[1] Cf. GODINHO, Carlos Alberto da Graça – Um Turismo de Rosto Humano. Luso, 11 de Julho de 2012.
[2] PINTO, Roque – Prefácio. In PEREIRO PÉREZ, Xerardo – Turismo Cultural. Uma visão antropológica. Tenerife: PASOS - Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 2009, p. 1.
[3] Cf. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO (OMT) – World Tourism Barometer. Vol. 11. Janeiro de 2013.
[4] Cf. TURISMO DE PORTUGAL – Os resultados do Turismo – 4º Trimestre e ano de 2013, p. 20 [In www.turismodeportugal.pt; consultado a 24 de Setembro de 2014].
[5] Cf. Ibidem – Os resultados do Turismo. 1º Trimestre de 2014, p. 20 [in www.turismodeportugal.pt; consultado a 24 de Setembro de 2014].
[6] United Nations Secretary General, 1953 – 1961. In MARTINS, Maria José Seixas – O Desenvolvimento Comunitário e a sua vertente Educativa: Estudo Comparativo entre Peterborough e Chaves. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação. Chaves: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2012, p. 15.
[7] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES – Turismo e Desenvolvimento Comunitário. Mensagem para o Dia Mundial do Turismo 2014. Vaticano, 1 de Julho de 2014, nº 3.
[8] Cf. Ibidem, nº 1.
[9] Cf. Ibidem, nº 1.
[10] Cf. PEREIRO PEREZ, Xerardo – Turismo Culttural. Op.cit., p. 5.
[11] Cf. PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES – Turismo e Desenvolvimento Comunitário. Op. cit., nº 4.
[12] Cf. GODINHO, Carlos Alberto da Graça – O Acolhimento na Pastoral do Turismo. Lisboa, 11 de Julho de 2014. [Disponível em www.pastoraldoturismo.pt].