TURISMO E
SUSTENTABILIDADE ENERGÉTICA
“Deus viu o
que tinha feito: e era tudo muito bom” (Gn. 1, 31)
O Conselho Pontifício para Pastoral dos Migrantes e Itinerantes propôs,
para o Dia Mundial do Turismo, que se celebra no próximo dia 27, do corrente
mês, a mensagem Turismo e
sustentabilidade energética: propulsores do desenvolvimento sustentável.
Fê-lo em sintonia com a Organização Mundial do Turismo, que definiu este ano
como o Ano Internacional da Energia
Sustentável para todos, devidamente promulgado pelas Nações Unidas. É muito
oportuna esta reflexão, com os objectivos que se visam alcançar. E se é uma
proposta de âmbito global, não deixará de ser muito válida para o contexto
português. Detenhamo-nos, pois, sobre esta temática, para partilharmos algumas
reflexões que entendemos dever considerar.
1. Numa perspectiva pastoral, mas
que ilumina toda a responsabilidade social, política e económica, havemos de
partir da consciência de que a criação é um dom – uma dádiva de Deus ao homem, «como
seu ambiente de vida» (CV. 48), que este tem de cuidar, como seu administrador,
não podendo usá-la segundo os seus interesses mais imediatos, pondo em causa o
equilíbrio e sustentabilidade dos bens que lhe são confiados. De resto, o
domínio da criação, que Deus confia ao homem, para a dominar (cf. Gn. 1, 28),
pressupõe um acto de verdadeira responsabilidade, no respeito pela própria
natureza, por si mesmo – corolário da própria criação, a quem ela se destina -,
e por todos os seus semelhantes. O respeito pela criação tem de pressupor a
compreensão do justo uso dos recursos naturais, da salvaguarda do serviço à
pessoa e de uma verdadeira prossecução do bem comum.[1]
Ora, um dos graves flagelos com que hoje nos confrontamos – talvez o
maior e menos consciente – é precisamente o desrespeito pela natureza, pelas
suas possibilidades e limites, pondo em causa o equilíbrio da nossa casa comum,
com os seus consequentes resultados para a justa satisfação das necessidades de
cada pessoa e para a prossecução da justa distribuição dos próprios recursos a
favor de todos (cf. GS. 69). Que dizer das alterações climáticas que se
agudizam, ou das persistentes secas que, tão profundamente, vão afectando
diversos povos, já de si provados com a falta dos meios necessários à sua
subsistência básica? E que dizer da injusta distribuição de bens, com a
exploração de recursos usufruídos por alguns, em detrimento da grande maioria
dos nossos irmãos?
Se estas questões se colocam ao nível do usufruto dos bens, na sua
globalidade, colocam-se igualmente ao nível dos recursos energéticos,
propulsores incontornáveis do desenvolvimento económico e social de cada região
e de cada país. Mas estes recursos são igualmente limitados, exigindo uma séria
responsabilidade no seu uso e preservação, necessitando, igualmente, do fomento
de novas formas de produção energética, garantindo a viabilidade económica de
todos, com a consequente equidade na sua justa distribuição e no respeito pelo
equilíbrio natural.
2. O turismo, pela sua própria
natureza, beneficia dos recursos ambientais e energéticos e é responsável pela
sua preservação.
Se, por um lado, o turismo só é viável, a médio e a longo prazo, com
recurso a soluções ambientais e energéticas sustentáveis, beneficiando delas;
por outro, pode ser também responsável pela deterioração das condições de
habitabilidade do nosso planeta e da própria viabilidade da acção turística,
concretamente «com o consumo desmesurado dos recursos energéticos, o aumento de
agentes poluentes e a produção de resíduos»[2].
E estes factores agudizam-se tanto mais quanto o fenómeno turístico é uma
realidade em profunda expansão, em todo o mundo.
Assim sendo, e atendendo à expressão do Pontifício Conselho referido, também
neste âmbito «é necessária a ética da responsabilidade e da prudência»[3],
para que o turismo seja uma actividade viável, no mais estrito respeito pela
natureza, contribuindo para soluções ambientais e energéticas sustentáveis,
«favorecendo comportamentos caracterizados pela sobriedade, diminuindo as
próprias necessidades de energia e melhorando as suas condições de utilização»[4].
Mais ainda: o turismo pode, e deve, estar ao serviço de iniciativas
energeticamente sustentáveis e de menor impacto ambiental. Também delas depende
o seu próprio desenvolvimento sustentado.
3. Em Portugal, destino turístico
por excelência, estes cuidados devem ser redobrados, preservando o ambiente
natural e tirando partido das imensas possibilidades das nossas condições
naturais para a implementação de fontes energéticas renováveis.
Apraz-nos registar, como francamente positivo, o cuidado na
implementação de medidas que promovem o aproveitamento energético dessas mesmas
condições naturais – o investimento na energia eólica, na energia solar e mesmo
– apesar de mais modesta – a nossa consciência das possibilidades naturais
oferecidas pelo mar, na imensa costa atlântica, que banha o país.
Este investimento em energias renováveis, que urge continuar a
desenvolver, deverão colocar-se também ao serviço do fenómeno turístico em
Portugal, incentivando os agentes turísticos a usá-las numa maior escala,
promovendo-se um turismo equilibrado, em que se fundem desenvolvimento
económico e sustentabilidade energética.
Um esforço redobrado é ainda exigido a todos no sentido de se evitar o
excesso de poluição e de produção de resíduos. Neste âmbito, é ainda urgente,
entre nós, a formação de todos, com destaque para as várias instâncias de
formação cívica, no sentido de se fazer o necessário tratamento de resíduos,
seja pelo recurso à reciclagem, seja no respeito pelos espaços públicos. O
correcto uso das estâncias turísticas – que deverão estar dotadas dos meios
necessários a esta acção – poderá contribuir para a economia de recursos
materiais e, consequentemente, de recursos energéticos.
Num país verde, como Portugal, infelizmente tão flagelado pelos
incêndios florestais, é urgente uma nova política para a floresta e para a
reflorestação. Não temos dúvida de que, a par da nossa costa atlântica, a floresta
é um dos elementos mais atractivos para o desenvolvimento do turismo em
Portugal. Um redobrado cuidado na reflorestação e na preservação das nossas
florestas contribui para um desenvolvimento da nossa economia global, mas
igualmente para o seu desenvolvimento por via do turismo. Com a possibilidade,
inclusive, de se aproveitarem recursos energéticos facultados por estas
condições naturais.
Indicados três aspectos a cuidar, estamos conscientes de que muitos
outros poderão e deverão ser colocados ao serviço da sustentabilidade turística
em Portugal, aliada a uma sustentabilidade ambiental e energética, nesta
aliança preciosa entre desenvolvimento económico, cultural e social e promoção
das condições de viabilidade da sua realização, de que a sustentabilidade
energética é um factor imprescindível.
A concluir, diríamos que necessitamos de aprofundar urgentemente a nossa
responsabilidade pessoal e social, no respeito pela natureza e no incremento de
novas possibilidades de convívio do homem com a criação. A sustentabilidade
energética é apenas uma dimensão deste equilíbrio. Mas fundamental, pois as
fontes energéticas a que recorremos mais frequentemente não são inesgotáveis,
bem como amiúde em conflito com o equilíbrio ambiental. No momento presente, urge
aliar as possibilidades de que dispomos a uma contínua criatividade neste
diálogo entre o homem e a criação. Conscientes de que o aprofundamento de tal
diálogo beneficia o próprio homem – pessoal e colectivamente –, permitindo-lhe
legar às gerações vindouras um património singular, que lhe foi confiado para
que dele cuidasse. De resto, como afirma o Papa Bento XVI, «a natureza é
expressão de um desígnio de amor e verdade», que o homem está chamado a
«guardar e a cultivar» (CV. 48). Sendo um dom, a criação é, para nós, uma
tarefa. Em cujo esplendor podemos reconhecer o rosto do Criador.
As novas formas de sustentabilidade energética inscrevem-se exactamente
aqui: ao cuidarmos deste imperativo económico e social podemos aliar-nos à
criação que nos foi dada amorosamente e repetirmos com o próprio Criador - «Deus
viu o que tinha feito: e era tudo muito bom» (Gn. 1, 31).
Pe. Carlos
Alberto da Graça Godinho
Director da
ONPT
[1]
Cf. PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES – Mensagem
por ocasião da Jornada Mundial do Turismo 2012: Turismo e sustentabilidade energética: propulsores do desenvolvimento
sustentável. Cidade do Vaticano, 16 de Julho de 2012.
[2]
CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES – Mensagem por
ocasião da Jornada Mundial da do Turismo 2012 - Turismo e sustentabilidade energética.
[3]
Ibidem.
[4]
Ibidem.