Neste tempo que é o nosso, em que seria legítimo esperar um maior bem estar para todos, a realidade é completamente inversa. A cada passo ouvimos falar de crise financeira, de recessão económica, de menor riqueza disponível... Mas, na verdade, são prioritáriamente os mais pobres, ou os que estão em vias de empobrecimento, quem mais sofre. Hoje, as notícias davam-nos conta do aumento do desemprego, de piores condições de vida, de menor capacidade de dar resposta às necessidades mais elementares que se colocam a cada pessoa e a cada família. Numa escala global, é neste quadro que aumenta o número de pessoas que viverão com menos de dois euros por dia. Encontramos aqui, pois, um desafio acrescido à luta pela justiça; a uma nova ordem económica e social; a uma maior justiça na distribuição dos bens. É aqui, também, que surgem apelos profundos ao nosso sentido de solidariedade, de partilha e de sentido do outro. Para os cristãos, aumenta o desafio à vivência da verdadeira caridade. Este tempo traz-nos novos desafios: num mundo globalizado, temos de globalizar a justiça e a partilha.
É neste quadro que cito, a título de desafio, o belo poema de José Régio, intitulado Pobres. Não é expressão apenas de ontem. Antes fora! Mas, infelizmente, é expressão que ganha sentido nos dias de hoje.
Talvez nos mova a ser mais gratos pelo «pão de cada dia», ao mesmo tempo que nos desafia a lutarmos pelo «pão nosso» - um pão que não falte, como devido, a qualquer um dos nossos irmãos.
É neste quadro que cito, a título de desafio, o belo poema de José Régio, intitulado Pobres. Não é expressão apenas de ontem. Antes fora! Mas, infelizmente, é expressão que ganha sentido nos dias de hoje.
Talvez nos mova a ser mais gratos pelo «pão de cada dia», ao mesmo tempo que nos desafia a lutarmos pelo «pão nosso» - um pão que não falte, como devido, a qualquer um dos nossos irmãos.
Pobres
O Sol fundira em oiro a névoa fria;
Num banho de oiro, a Terra jaz, prostrada;
Um velho lamuria ao rés da estrada,
Um velho lamuria ao rés da estrada,
E eu louvo o dom da luz de cada dia.
Já, no céu roxo, o Sol, que ardeu, se esfria;
Cai, no silêncio, a tarde repousada;
Sinistro, um velho estende a mão gelada,
E eu louvo o dom do pão de cada dia.
No ar molhado e absorto, ascende a Lua;
Roçam-me alguns que dormirão na rua...
E eu louvo o dom dum tecto e uma candeia.
... Até que fala Alguém a quem não minto:
E o meu louvor de tais meus dons, - o sinto
Mais miserável que a miséria alheia!
(José Régio, Pobres in Poesia I, INCM, p. 136)