Para um poeta, como Antero de Quental, que se afirma não crente, ler a sua poesia é permitirmo-nos entrar num coração à procura do verdadeiro rosto de Deus. É esta sinceridade e profundidade que me atrai neste grande homem das letras. Vejamos:
Ignoto Deo
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Que beleza mortal se te assemelha,
Ó sonhada visão desta alma ardente,
Que reflectes em mim teu brilho ingente,
Lá como sobre o mar o sol se espelha?
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O mundo é grande - e esta ânsia me aconselha
A buscar-te na terra: e eu, pobre crente,
Pelo mundo procuro um Deus clemente,
Mas a ara só lhe encontro... nua e velha...
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Não é mortal o que eu em ti adoro.
Que és tu aqui? olhar de piedade,
Gota de mel em taça de venenos...
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Pura essência de lágrimas que choro
E sonho dos meus sonhos! se és verdade,
Descobre-te, visão, no céu ao menos!
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E na obra de onde recolho estes sonetos, o autor termina com uma outra forma de profissão de fé:
Na Mão de Deus
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Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
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Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
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Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva no colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
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Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
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Antero de Quental
Não pode deixar de nos comover este desafio, esta ânsia de Deus, esta procura de sentido... No fim, apenas a Sua mão nos pode acolher.
Carlos A. Godinho