terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Natal!


 NATAL  

    Estamos em tempo de Natal! Expressão, que provinda do latim natalis, significa nascimento. Ora, o Natal significa o nascimento de Jesus, o Filho de Deus que se fez homem no meio de nós! Ainda que alguns possam não se rever nos conteúdos da fé, o Natal comporta, contudo, dois elementos incontornáveis para todos nós: a realidade histórica de Jesus de Nazaré e o seu nascimento, ainda que o dia de Natal seja definido a partir da conceção do nascimento do sol invicto (natalis invicti solis), da mitologia romana e sua expressão religiosa, que os cristãos, posteriormente, converteram na data do nascimento de Jesus Salvador, como autêntico sol que ilumina toda a humanidade; e a identidade cultural do Natal, que provém precisamente da tradição cristã.

   Em abono da verdade e já longe das práticas mitológicas romanas, o Natal celebra sempre o nascimento de Jesus, Aquele que depois proclamamos o Cristo, em virtude da Sua Morte e Ressurreição.

   Todavia, desde meados do século XX, após a campanha economicamente agressiva da americana Coca-Cola, que, em 1931, transformou a lenda de São Nicolau, que se celebrava a 6 de Dezembro, com a habitual distribuição de presentes, no atual Pai Natal - essa figura de aspeto rechonchudo, simpática, de barbas brancas e vestido de vermelho, a cor da marca -, que tal figura veio a assumir protagonismo nas celebrações natalícias.

   De um modo particular, o Pai Natal é uma figura atrativa para as crianças, precisamente porque a sua principal missão, em cada ano, é distribuir presentes, o que o torna particularmente cativante.

   Ora, o Natal compreende hodiernamente duas figuras: a do Menino Jesus e a do Pai Natal. Inequivocamente, com presença e expressão bem distintas no nosso contexto social. O Pai Natal é servido por um poderoso império comercial, aliado aos ainda mais poderosos meios de comunicação social, capazes de mobilizar uma sociedade inteira em torno de uma figura comum, definindo assim o sentido desta quadra festiva.

   O Menino Jesus parece continuar a nascer escondido, na humildade da gruta de Belém. O seu lugar, hoje, continua a ser o das nossas Igrejas e o espaço íntimo de algumas famílias cristãs. Não obstante se celebre o Seu nascimento.

   Mais do que colocar em confronto duas figuras, ou, de alguma forma, pretender excluir qualquer vivência do Natal, sinto que necessitamos de repor a verdade desta quadra natalícia. Não apenas para fazer justiça ao Menino; mas para que a nossa vida humana não seja apenas condicionada – diria mesmo: subjugada – pelos interesses económicos. É que os grandes valores do Natal têm de estar para além dessa tentativa de comercialização da vida humana, radicada nas compras, nas ofertas e nos gastos. O Natal, assente na humildade do Deus feito Menino, convida-nos à solidariedade, ao amor, à ternura, ao reconhecimento da dignidade do outro, à partilha generosa, ao encontro e à fraternidade, realizando os ideais humanos mais profundos, os únicos que são capazes de nos humanizar. Sim, porque o Natal é humanização: não apenas de Deus que se faz homem, mas igualmente do homem que O reconhece no rosto humano dos outros.

    Além disso, só no Deus Menino ganha sentido a vida humana, na pobreza e na abundância, na saúde e na doença, na alegria e na dor!... Nessa vida tão bem retratada pelo conto de Eça de Queirós, O Suave Milagre, que nos coloca diante de uma criança pobre e doente que deseja ver Jesus. E quando a mãe tenta dissuadi-lo, por ser pobre, eis que Jesus o visita. Este suave milagre é uma interpelação e uma resposta à vida de cada um de nós, em tempo de Natal! No sentido de vivermos a mesma consolação daquela criança. Escreve Eça de Queirós: «De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou: - Mãe, eu queria ver Jesus… E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança: - Aqui estou!».

 
Pampilhosa, 22 de Dezembro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(27ª Reflexão)

 

 

Solidão!


SOLIDÃO
 
   A solidão é uma das vivências mais dolorosas da existência humana. Ver-se privado da relação com o outro, ou com os outros, e obrigado a um isolamento na própria intimidade, física ou emocional, sem interação com os demais, é sempre uma vivência perturbadora para as pessoas que o experimentam.

   Não obstante as múltiplas formas de comunicação, de que hoje dispomos, o encontro com o outro exige uma presença real; o olhar, olhos nos olhos; o abraço, em que se expressa fisicamente o afeto; uma presença pessoal, que possibilite a relação humana em verdadeira alteridade.

   É certo que existe também uma «solidão positiva» - assim denominada por vários autores -, que permite o encontro consigo mesmo, a criatividade, o aprofundamento intelectual, espiritual, ou existencial. Contudo, resultante de uma opção livre e, em regra, limitada no tempo; compensada, depois, pelo reencontro com os mais próximos, em família ou em comunidade.

   Na verdade – como refere o adágio popular - «ninguém é feliz sozinho», pois é na relação com os outros que nos descobrimos permanentemente e nos construímos como pessoas, em desenvolvimento autenticamente humano.

   Ora, a solidão toma hoje vários rostos! A solidão física, de quem vive isolado, não raro devido às limitações da mobilidade e abandono, particularmente entre os mais idosos. Depois, a solidão afetiva: de tantos que não se sentem acolhidos; aceites na sua diversidade; amados; ou encerrados em si, nos seus dramas pessoais, sem capacidade de abertura confiante a quem os rodeia, vivendo a sua identidade mais profunda num reduto interior, inexpugnável e de solidão. Por fim, a solidão social, hoje cada vez mais disseminada, seja pela fixação nas tecnologias que isolam as pessoas, em espaços públicos; seja pelo individualismo, que tende a fechar cada pessoa no seu mundo e nos seus interesses; ou ainda, pela imposição social de isolamento àqueles que não são amados comunitariamente, fruto das suas vivências humanas perturbadas por qualquer fatalidade.

   A solidão, esse limite humano, fonte de dor e de angústia, exige, de todos nós, uma nova humanidade e uma nova proximidade; que, em muitos casos, é expressão de justiça e de dever. Exige essencialmente uma nova fraternidade!

   Desde logo, necessitamos de redescobrir os valores familiares, não permitindo que os mais velhos sejam privados dos mais novos e das relações que lhe são devidas! É uma questão de justiça! Depois, a necessidade de aprofundarmos o valor do voluntariado, na ação de visitadores, ou mesmo no acompanhamento próximo de pessoas mais desprotegidas. Sinal muito positivo é o dos jovens estudantes que habitam com idosos, beneficiando, cada um, do que ou outro pode oferecer – a hospedagem e a companhia; criando-se, quantas vezes, laços profundos de familiaridade. As próprias comunidades hão-de promover e dinamizar novos centros de convívio e de encontro, onde se viva a comunhão entre as pessoas e o seu enriquecimento humano.

   Por outro lado, todos nós devemos aprender a viver permanentemente o grande dom do acolhimento, da aceitação do outro, na sua identidade e diferença, no respeito pela sua verdade mais íntima. As amizades, sinceras e fiáveis, hão-de permitir a expressão autêntica daqueles que nos são queridos, abrindo-os à sinceridade diante de nós, por que se sabem amados. Todos nós devemos cultivar gestos de ternura para com todos, quebrando tantos respeitos humanos e receios, que ainda nos habitam. Precisamos de redescobrir a relação interpessoal, marcada pelo encontro efetivo e não meramente virtual que, quantas vezes, é ilusório. Necessitamos de quebrar as regras, que se impõem tacitamente, do isolamento em público, para gerarmos novas interações entre pessoas, geradoras de uma nova e autêntica humanidade. Necessitamos de reaprender o acolhimento para com todos e, muito especialmente, para com aqueles que ninguém ama, na consciência de que o isolamento e o alheamento geram mais problemas humanos e sociais, do que o acolhimento sincero. Precisamos de quem ame famílias ou pessoas, vítimas de situações humanas difíceis ou dolorosas, ajudando-as a recuperar a alegria e a dignidade!

   Um ideal? Sim, um ideal! Mas um ideal realizável, se cada um de nós o abraçar! É que só o amor, feito gesto de ternura e de acolhimento, é capaz de nos humanizar!

Pampilhosa, 15 de Dezembro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(26ª Reflexão)

 

Reconciliação!


RECONCILIAÇÃO


   A Igreja encerrou universalmente, no passado domingo, Solenidade Cristo Rei e Senhor do Universo, o Ano Santo da Misericórdia. O final, para a Igreja Católica, de um período cronológico de uma especial vivência da misericórdia, nas suas dimensões teológica, espiritual e pastoral. Mas um ano igualmente acolhido, com entusiasmo, por outras Igrejas e homens e mulheres de boa vontade. Um encerramento que não significa, contudo, o términus de um espírito que há-de permanecer na vivência eclesial, agora aprofundado, pois, segundo as palavras do Papa Francisco, na sua Carta Apostólica Misericordia et Misera, com que encerrou este ano, «a misericórdia não se pode reduzir a um parêntesis na vida da Igreja, mas constitui a sua própria existência, que torna visível e palpável a verdade profunda do Evangelho» (nº 1).

   Também as comunidades paroquiais que me estão confiadas – Luso e Pampilhosa – depois de haverem iniciado este ano com uma obra de misericórdia corporal: «dar de comer a quem tem fome»; quiseram terminá-lo com uma obra de misericórdia espiritual: «perdoar as injúrias». Assim, toda a nossa reflexão e ação, no encerramento do Ano da Misericórdia, se centrou no imenso valor da reconciliação. Sabendo que esta constitui a base de uma vivência de tranquilidade, de autêntica paz e de verdadeira fraternidade. Pretendendo comprometer-nos em criar comunidades de irmãos, comunidades de amor, na alegria da sincera comunhão. Sabendo, todavia, que o caminho exige uma atenção contínua e um esforço permanente de superação das nossas divisões.

   Mas este convite não se limita às comunidades cristãs. Bem pelo contrário: é uma proposta de vida que compreende todas as relações em sociedade – as de maior proximidade, ou de menor proximidade!

   Na verdade, quantas vezes nos confrontamos com pessoas angustiadas, tristes, desalentadas, deprimidas, de semblante anuviado, fruto de relações humanas degradadas pelos ódios, rancores, más querenças, ciúmes ou mesmo vinganças? Pessoas que se ignoram ou rejeitam, mesmo quando têm de partilhar espaços próximos, quantas vezes de vizinhança, na mesma rua ou no mesmo prédio! As nossas relações humanas enfermam devido à incapacidade de diálogo, à inaceitação do modo de ser e de agir dos outros, às nossas suscetibilidades, à arrogância, ao orgulho, à luta de interesses, não raro entre familiares, por razões de preferências, de divisão de bens, que conduzem, quantas vezes, a ódios e divisões, onde, afinal, deveria persistir a ternura e o amor! Quantas vezes colegas de trabalho se ignoram, mesmo trabalhando lado a lado? Enfim… São múltiplas as realidades que estão na base dos nossos desencontros e deterioração das nossas relações humanas!

   Contudo, todos desejamos viver em paz, na tranquilidade, na ternura, no reconhecimento e na aceitação. Todos desejamos ser felizes, sabendo que estar de bem com os demais é ingrediente fundamental para essa felicidade! Assim, não obstante as realidades humanas que nos possam dividir, a grandeza da vida humana reconhece-se na capacidade de ultrapassar todas essas dificuldades, permitindo-nos viver relações positivas, marcadas pela tranquilidade e pela paz. Sabendo que, para tanto, necessitamos de abdicar das nossas atitudes de orgulho e de vingança, para, com um coração límpido, trilharmos caminhos de diálogo e de compreensão, de perdão e de reencontro, conducentes à verdadeira comunhão com os demais – próximos ou mais distantes! Necessitamos de reaprender, permanentemente, o valor da reconciliação! Que na expressão latina – reconciliare – significa precisamente «pacificar, juntar de novo, restabelecer a concórdia e as boas relações»! Necessitamos de homens e mulheres reconciliados, construtores de comunidades fraternas, de acolhimento, de amor e de paz. Sabendo, contudo, que todas estes valores nascem do coração e do agir de cada um de nós!

   Como se referia numa pequena folha que distribuíamos, a propósito do encerramento do Ano da Misericórdia, «o perdão não é sinónimo de fraqueza ou ausência de amor-próprio; pelo contrário, demonstra grandeza de alma e muita coragem!» E é disto que precisamos: de homens e mulheres corajosos, capazes de trilhar todos os caminhos que conduzam à paz; pois a guerra, ao invés do que se possa pensar, é a arma dos fracos, já que apenas no amor se reconhece a verdadeira humanidade!


Pampilhosa, 24 de Novembro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(25ª Reflexão)